Doação de sangue

Dr. Angelo Bannack

Atualizado há 2 meses

A doação de sangue pode salvar vidas. A principal necessidade de sangue é para pessoas que sofreram acidentes e perderam sangue, que estão em tratamento de alguma doença grave como câncer ou que necessitam de alguma cirurgia de grande porte. É um procedimento que não tem custos para quem doa. E que também não deveria ter custos para quem recebe. 

Neste artigo eu explico quem pode doar, onde doar, o que acontece com o sangue depois de doado, além de outras dúvidas comuns sobre a doação.

Boa leitura.

Por que doar sangue?

A possibilidade de salvar uma vida por si só é motivo mais do que suficiente para realizar a doação. Doar sangue é considerado um ato de altruísmo, uma forma de ajudar o próximo. Pessoas que precisam de cirurgia ou que sofreram acidentes são os principais beneficiários.

E é claro que saúde não tem preço, mas ela tem custos. Estima-se que o processo de coleta, testagem, processamento e armazenamento de uma bolsa de sangue custe mais de R$500,00.

Apesar de atualmente ser ilegal o recebimento de qualquer valor pela doação, isto nem sempre foi assim. Até 1980 era comum a prática de os hemocentros, especialmente os privados, a pagarem pela doação de sangue.

Hoje ninguém pode receber nenhuma quantia pela doação. O único benefício geral, além do bem-estar proporcionado pelo ato altruísta, é um dia de folga por ano para a doação de sangue. Além disso alguns estados têm leis próprias para isentar doadores de sangue para inscrição em concursos públicos. Normalmente para esse benefício é necessário doar pelo menos 3 vezes num período de 12 meses. Também existem algumas leis estaduais que privilegiam os doadores com meia entrada em shows, cinemas e outros eventos culturais. 

Além disso, está em estudos no Reino Unido o sangue produzido em laboratório, mas enquanto isso não se torna realidade, a doação é a única forma de obter sangue.

Tipos de doação de sangue

Além do sangue completo (composto pelo plasma, hemácias, plaquetas e fatores de coagulação), também é possível doar parte de seus componentes. A componente mais comum a ser doado é a de plaquetas. 

Na doação do sangue completo são retirados cerca de 450mL, num processo que dura menos de 30 minutos.

Já na doação de plaquetas, o sangue é filtrado por uma máquina, num processo chamado de aférese. Na filtragem a máquina retém as plaquetas e devolve o restante dos componentes do sangue para o doador. Um processo de doação de plaquetas demora pelo menos 1 hora e meia.

É possível ainda uma pessoa fazer a doação de sangue para si mesma. Sim, é isso mesmo que você leu. Em casos selecionados onde sabe-se que será necessária uma cirurgia com necessidade de transfusão de sangue, a pessoa pode procurar um hemobanco que forneça esse serviço e fazer a doação do sangue que sera guardado para uso futuro. Esse processo chama-se de doação autóloga. E precisa de um pedido médico para ser realizado.

Quem pode doar sangue?

A portaria 158 de 2016 do Ministério da Saúde regulamenta os requisitos para a doação de sangue. Em resumo para doar é necessário:

  • Estar em boas condições de saúde. Não ter nenhuma doença conhecida ou em investigação.
  • Ter entre 16 e 69 anos completos desde que a primeira doação tenha sido feita antes dos 61 anos (menores de 18 anos podem doar, mas só com autorização e presença do responsável legal).
  • Pesar no mínimo 50kg
  • Estar descansado, alimentado e hidratado (evitar alimentação gordurosa nas 4 horas que antecedem a doação).

É ainda realizada uma triagem para anemia no momento prévio à doação com a coleta de uma gota de sangue de um dos dedos da mão.

Além disso, uma avaliação realizada por um médico irá verificar se existe alguma condição que contraindique a doação. Há uma enorme lista de condições que impedem a doação. Algumas são condições temporárias (como estar com gripe) e outras podem ser definitivas (Hepatite B e C, por exemplo). Consulte a lista de doenças, sintomas, comportamentos e outras questões que impedem a doação diretamente na portaria do Ministério da Saúde ou ainda entrando em contato com um hemocentro. 

Homens podem doar sangue de 2 em 2 meses, porém, no máximo 4 vezes por ano. Já as mulheres podem doar sangue de 3 em 3 meses, com no máximo 3 doações anuais.

Já no caso das plaquetas, a doação pode ser realizada a cada 7 dias, não ultrapassando 24 doações em 12 meses. A reposição das plaquetas pelo organismo é bem rápida, sendo recuperado em torno de 48 horas.

Condições que impedem a doação

Algumas condições podem impedir a doação temporariamente ou definitivamente.

Condições temporárias

As condições que impedem a doação temporariamente são:

  • Perda de peso inexplicável de mais de 10% de sua massa corporal nos últimos 3 meses;
  • Frequência de pulso menor do que 50 e maior do que 100 batimentos por minuto no momento da doação;
  • Pressão arterial maior do que 180×100 mmHg;
  • Anemia, definido como hematócrito menor do que 38% para os homens e 39% para as mulheres (Hb=12,5 e 13 g/dL respectivamente);
  • Sobrecarga de ferro, definido como hematócrito superior a 54% ou Hb maior do que 18g/dL;
  • Gestação ou até 12 semanas após o parto;
  • Refeição copiosa e rica em gorduras nas 3 horas anteriores à doação;
  • Quem exerce ocupação ou prática esportiva que forneça algum risco para si ou para terceiros somente poderão doar se puderem se afastar de suas atividades por pelo menos 12 horas depois da doação. Estas atividades incluem:
    • Pilotagem de avião ou helicóptero;
    • Condução de veículos de grande porte, como ônibus, caminhões e trens;
    • Operação de maquinário de alto risco, como na indústria e construção civil;
    • Trabalho em andaimes;
    • Prática de paraquedismo ou mergulho.
  • Temperatura corporal acima de 37o C no momento da doação.
  • Histórico de sintomas de gripe ou resfriado e temperatura corporal acima de 38o C nas duas útimas semanas.
  • Presença de feridas ou machucados no local da punção para a coleta do sangue;
  • Uso de antibióticos há menos de 2 semanas do dia da doação;
  • Viagem para local com endemia ou epidemia de doença infecciosa que não seja prevalente no local da doação só poderão doar após 30 dias de seu retorno.
  • O uso de anabolizantes injetáveis sem prescrição médica, crack ou cocaína por via nasal (inalação) é causa de exclusão da doação por um período de 12 meses, contados a partir da data da última utilização;
  • O uso de maconha impede a doação por 12 (doze) horas;
  • Possuir “piercing” na cavidade oral e/ou na região genital impede a doação devido ao risco permanente de infecção, podendo candidatar-se a nova doação 12 (doze) meses após a retirada;
  • Infecções Sexualmente Transmissíveis como a sífilis, por exemplo, impede a doação por 12 meses após a cura.
  • Relações sexuais com parceiros de risco impedem a doação por até 12 meses após a relação.

A ingestão de Ácido Acetil Salicílico (AAS ou Aspirina) ou outro anti-inflamatório nos 3 dias anteriores à doação impedem a doação e o uso de plaquetas, mas não dos demais componentes do sangue.

Além dessas, o médico poderá impedir a doação no caso de suspeita de outras doenças ou comportamentos de risco para doenças infectocontagiosas. Entre as doenças incluem-se malária, AIDS, doença de Chagas, Encefalopatia Espongiforme Humana, doença de Creutzfeldt-Jakob. O uso de drogas também será avaliado.

Ter passado por alguma cirurgia é uma contraindicação temporária ou definitiva que será avaliada de acordo com o porte do procedimento, bem como as condições clínicas e uso de medicamentos.

A vacinação é uma contraindicação temporária por 48 horas a 4 semanas, dependendo da vacina. Além disso, muitos medicamentos impedem a doação, sendo necessário suspendê-los alguns dias antes da doação.

Condições definitivas

As condições que impedem a doação de forma definitiva:

  • Doença atópica (alérgica) grave, como asma brônquica grave e histórico de choque anafilático;
  • Hepatite viral depois dos 11 anos de idade, exceto Hepatite A;
  • Antecedente clínico, laboratorial ou história atual de infecção pelos agentes HBV, HCV, HIV ou HTLV;
  • Alcoolismo crônico;
  • AVC (Acidente Vascular Cerebral);
  • Câncer e leucemia;
  • Diabetes insulino-dependente;
  • Doenças auto-imunes que comprometam algum órgão;
  • Doença pulmonar grave;
  • Tuberculose extrapulmonar;
  • Intoxicações por metal pesado;
  • Hanseniase;
  • Doença psiquiátrica que gere incapacidade jurídica;
  • Doença renal crônica;
  • Doenças endócrinas: hiperaldosteronismo, hiperfunção hipofisária, hiperlipoproteinemias essenciais, hipertireoidismo, hipopituitarismo, insuficiência suprarrenal, síndrome de Cushing;
  • Doenças gastrointestinais: cirrose hepática, retocolite ulcerativa crônica, doença de Crohn, hepatopatia crônica de origem desconhecida, hipertensão porta, pancreatite crônica;
  • Doenças neurológicas: esclerose em placa, esclerose lateral amiotrófica, esclerose múltipla, hematoma extra ou subdural com sequela, leucoencefalopatia multifocal progressiva, neurofibromatose forma maior, miastenia gravis;
  • Psoríase extensa;
  • Pênfigo foliáceo;
  • Doenças hemorrágicas congênitas ou adquiridas;
  • Doença de Creustzfeldt Jakob (vaca louca) ou histórico familiar de encefalopatia espongiforme humana e suas variantes, transplante de córnea e implante a base de dura-matér;
  • Doenças hemorrágicas congênitas ou adquiridas;
  • Elefantíase (filariose);
  • Esquistossomose hepatoesplênica;
  • Feocromocitoma;
  • Reação adversa grave em doação anterior;

A lista inclui outras doenças menos comuns, e que serão avaliadas no momento da doação;

Onde doar sangue?

Você pode doar sangue em hemocentros públicos ou privados. Os hemocentros públicos priorizam o destino do sangue doado para os hospitais públicos. Já os privados, por sua vez, priorizam os hospitais privados. Mas nada impede que o material doado num hemocentro público vá para um hospital privado e vice-versa.

Neste link tem uma tabela atualizada pelo Ministério da Saúde com todos os hemocentros públicos.

No site do REDOME (REgistro brasileiro de DOadores de MEdula óssea) tem uma lista com outros hemocentros (públicos e privados) que, além da doação de sangue, também permitem o cadastro para doação de medula. 

Como é o procedimento de doação de sangue?

Inicialmente é feita uma triagem para avaliação de anemia e uma consulta com um médico para avaliar se existe alguma questão que impeça a doação.

Se você estiver apto para a doação, você será acomodado numa poltrona, normalmente inclinada. Um profissional de enfermagem fará a punção de uma veia de seu braço usando uma agulha de calibre grosso. (Eu costumo comparar a espessura da agulha de doação com um tubo interno de uma caneta esferográfica). 

A agulha é conectada a um tubo que leva o sangue até uma ou mais bolsas de coleta. As bolsas contêm um produto para impedir a coagulação do sangue e são normalmente acopladas a algum equipamento que a movimenta de forma a homogeneizar o sangue.

Uma vez extraído cerca de 450 mL de sangue a agulha é removida do braço e um curativo simples é colocado no local.

O ideal é comprimir firmemente o local do curativo por alguns minutos para evitar sangramentos.

Espere alguns minutos antes de se levantar, pois pode ocorrer tontura pela redução do sangue no corpo. É algo passageiro e o organismo logo se adapta.

Um lanche é normalmente oferecido após a doação.

O que é feito com o sangue depois de doado?

O sangue doado é então armazenado em local com temperatura e umidade apropriados para sua conservação.

Uma pequena amostra do sangue é utilizada para a verificação de doenças que possam contraindicar o uso do sangue. Os exames obrigatórios são:

  • Sífilis
  • Doença de Chagas
  • Hepatite B e C
  • HTLV I e II
  • AIDS
  • Hemoglobina S (pesquisa de anemia falciforme somente na primeira doação)
  • Identificação do tipo sanguíneo (ABO) e Fator RH

As bolsas de sangue que tiverem algum resultado alterado são descartadas e o doador é informado sobre o resultado.

O sangue é então separado em vários componentes (concentrado de hemácias, plasma e plaquetas) e armazenado para posterior uso. A título de curiosidade, o concentrado de hemácias pode ser armazenado por até 10 anos se congelado. Mas devido à alta demanda é normalmente usado em poucos dias depois da doação.

Se quiser saber mais sobre como é realizado todo o processo de coleta até o destino do sangue, consulte o Manual de Orientações para Promoção da Doação Voluntária de Sangue do Ministério da Saúde.

Outras dúvidas comuns

Existem inúmeras questões que permeiam a doação de sangue. Algumas podem ser consultadas a seguir.

Acho que estou com AIDS. Posso doar só para saber o resultado dos exames?

Não. Em hipótese alguma você deve doar sangue depois de qualquer comportamento sexual de risco. Se você acredita que possa ter se contaminado com uma doença sexualmente transmissível (HIV, Hepatites, Sífilis ou outras) procure uma Unidade de Saúde, seu médico de confiança ou um Centro de Orientação e Aconselhamento.

Há o risco de você estar na janela imunológica para a detecção de alguma doença sexualmente transmissível e os exames não detectarem.

Posso passar mal depois da doação de sangue?

As complicações depois de doar são raras. Mas tontura, cansaço, sangramento, hematoma ou dor no local da punção podem ocorrer. A recomendação é de beber bastante água após a doação para repor o líquido perdido.

Se a tontura ou o mal-estar não melhorarem ou se sentir que não está bem, procure um serviço de saúde ou entre em contato com o próprio hemocentro em que doou para sanar suas dúvidas.

Há risco de pegar alguma doença durante a doação de sangue?

Doações realizadas em hemocentros seguem todos os cuidados relacionados a legislação atual. Não há risco considerável de se contaminar durante a doação.

Além disso, como a triagem e os testes realizados estão sendo constantemente aprimorados, o risco de pegar alguma doença recebendo sangue doado é muito baixo. Estima-se em cerca de 1 caso em cada 2 milhões de transfusões o risco de se adquirir doenças infecciosas como HIV e Hepatite viral.

Minha religião não permite receber sangue. O médico pode forçar a transfusão?

Esse é um dilema ético clássico com relação a quem recebe sangue. É comum os médicos discutirem com os pacientes e familiares situações em que se imagina que a transfusão de sangue possa ser necessária. Em grandes hospitais o comitê de ética costuma ser acionado e, na falta desse, consultas aos Conselhos Regionais de Medicina também costumam ser realizados.

Porém, pelo entendimento atual, em caso de risco iminente de morte o médico pode autorizar a transfusão de sangue mesmo sem o aceite ou diante da recusa do paciente.

Em alguns casos específicos existem alternativas para a transfusão de sangue. Mas muitas vezes só a transfusão de sangue é a opção disponível ou necessária.

Conclusão

A doação de sangue é um ato de altruísmo que pode salvar vidas. Pode-se doar o sangue como um todo bem como alguns de seus componentes, em especial as plaquetas. Pessoas entre 16 e 69 anos de idade podem doar, desde que estejam com boa saúde e não tenham nenhuma contraindicação. A doação não tem riscos e pode ser realizada em um hemocentro público ou privado. São retirados em torno de 450mL em cada doação que pode ser repetida a cada 2 meses para os homens e a cada 3 meses para as mulheres. Em hipótese alguma doe sangue apenas para saber se você tem HIV ou outra doença. Procure um médico ou um serviço de saúde nesse caso.

Espero que tenha sanado todas as suas dúvidas sobre a doação de sangue.

Se ainda ficou com dúvidas comente abaixo ou nas redes sociais.

Um forte abraço.


*Imagem que ilustra este artigo: © ronstik de Getty Images via canva.com.

Dr. Angelo Bannack - Médico de Família

Dr. Angelo Bannack

Sou um médico que gosta de escrever, curte tecnologia e que valoriza a ciência como o caminho para a nossa evolução. Como médico de família, atendo em meu consultório particular em Curitiba e em consultas domiciliares, ajudando as pessoas a manterem-se saudáveis, com check-ups regulares, orientações e contribuindo no processo de diagnóstico e tratamento da grande maioria dos problemas de saúde.

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