Medicina Baseada em Evidências: o que é e por que devo me importar?

Dr. Angelo Bannack

Atualizado há 1 mês

A Medicina Baseada em Evidências (MBE) é uma tendência que se vale das melhores evidências científicas para ajudar na tomada de decisões médicas. Uma prática relativamente recente e que permite que os médicos tenham condutas adequadas para cada caso, sem causar mal ou trazer prejuízos para os pacientes. Este texto tenta apresentar o que é a MBE, como ela surgiu, como ela é utilizada, seus problemas e possíveis formas de encontrar um médico que realmente a siga.

Boa leitura.

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MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS: o que é e por que devo me importar?

O que é a Medicina Baseada em Evidências?

A Medicina Baseada em Evidências (MBE) é uma prática utilizada para a tomada de decisões médicas no cuidado individual de pacientes baseados nos melhores estudos científicos disponíveis.

A definição parece complexa e na realidade é mesmo.

Um dos primeiros a ajudar a cunhar o termo foi o médico escocês Archie Cochrane. Em 1972 ele publicou um pequeno livro que descrevia a falta de estudos adequados que desse suporte para muitas práticas que eram consideradas eficazes até então.

No livro, ele traz vários exemplos sendo um deles sobre diabetes. Neste caso ele argumenta que não se tinha certeza sobre o melhor tratamento para diabetes na época. Se era melhor usar comprimidos ou insulina, e nem se o tratamento realmente trazia benefício para os pacientes. Mesmo assim os médicos prescreviam os mais variados medicamentos sem critérios bem definidos. Hoje, graças a MBE, sabe-se quais os melhores medicamentos para se tratar diabetes nos mais diversos contextos (seja em pacientes com problemas cardíacos, renais, gestantes ou outros).

Antes do surgimento da MBE os médicos definiam suas condutas (exames, tipo de medicamento, dose, tempo de uso, tratamento com cirurgia, que tipo de cirurgia, imobilização, sangrias, entre outras inúmeras possibilidades) simplesmente baseados em suas experiências próprias ou ainda no que aprendiam com seus mestres. A medicina era completamente dependente de um grupo de médicos e com o que se aprendia com eles. Era tipo um conhecimento passado de pai para filho. Ninguém tinha certeza se o tratamento era o melhor, simplesmente se seguia o que já estava sendo feito por alguém que tinha algum respeito na comunidade.

Apesar da experiência ser imprescindível, Cochrane e outros estudiosos perceberam que era importante avaliar os tratamentos empregados, de forma a tentar definir a melhor conduta a ser adotada, independente do médico ou de suas experiências particulares. Questionar o motivo de algo funcionar ou não ajuda na evolução e mesmo a fazer o médico refletir sobre suas condutas.

A MBE faz uso de estudos controlados (baseados no método científico) para tentar chegar a conclusões de qual tratamento ou intervenção pode ser a melhor para determinada doença ou condição. Nem sempre é possível a realização de tais estudos, então abre-se mão de outros recursos, como observações de casos existentes, ou estudos com animais, por exemplo. Para checar a segurança de um medicamento para gestantes por exemplo, é comum o teste em camundongos. Se fizer mal para o animal, infere-se que irá fazer mal para o ser humano também, o oposto não é necessariamente verdadeiro, mas abre possibilidade para outros estudos ou a determinação de algum grau de segurança.

Em outros casos é possível dividir os pacientes com uma mesma doença, ou suscetíveis a ela, em dois grupos, onde um recebe a intervenção a ser testada e o outro recebe um tratamento equivalente, porém que não faz nenhum efeito (placebo), após um tempo faz-se a comparação de resultados e se determina qual a melhor opção. Os estudos das vacinas da covid se valeram dessas premissas. Com um grupo recebendo a vacina verdadeira e outro o placebo, de forma a determinar a efetividade da vacina contra o coronavírus.

Hoje, graças a inúmeros estudos, entendem-se que as doenças respiratórias, por exemplo, causadas por vírus – a gripe comum – têm duração limitada de 7 a 14 dias e curam independente do tratamento. Isto é importante para afastar charlatões que apontam algum tratamento milagroso para condições que curam sem necessidade de intervenção ou ainda que cobram caros por exames sem fundamento e desnecessários, que podem inclusive trazer malefícios para o paciente.

Problemas

A ideia atualmente é simplesmente imprescindível, e é impensável a existência da medicina moderna sem a MBE. Mas ela não é isenta de problemas.

Um dos mais complicados deles é a dificuldade dos médicos de entenderem e aplicarem tais evidências. A própria MBE é recente (começou a engatinhar na década de 1970) e seu ensino nas escolas médicas muito mais pueril (um estudo que encontrei aponta para sua adoção na década de 1990 nas escolas médicas brasileiras e outro realizado em 2007 apontava que menos da metade das escolas tinha o ensino da MBE em seus currículos). Com a falta de entendimento dos próprios médicos, em muitos casos ainda persiste o conhecimento baseado em experiências pessoais e profissionais, ignorando-se que, a aspirina por exemplo, praticamente não tem mais utilidade na prevenção primária de infartos e outras doenças cardiovasculares. Quem trabalha em ambientes com prontuários compartilhados, como unidades de saúde ou outros, sabe que todos os dias se encontram condutas no mínimo questionáveis a luz das evidências atuais.

Além dessa “ingenuidade” ou falta de atualização dos médicos, temos ainda o fato de que o mundo é complexo e sempre tem alguém tentando lucrar, incluindo os médicos e toda a indústria que os permeia. Muitos se utilizam da complexidade da MBE para tirar vantagens dos pacientes, fazendo-os acreditar que tal conduta é a melhor, simplesmente por ser a mais moderna e também a mais cara ou mais rentável para quem a está vendendo. É muito comum, por exemplo, médicos solicitarem ressonância magnética ou outro exame caro para qualquer dor lombar de início recente, mesmo sabendo que a probabilidade de qualquer situação mais grave seja praticamente nula. Exames são ótimos e devem ser solicitados, desde que tenham um bom embasamento e não exponham o paciente a nenhum risco, mesmo que o risco seja o de encontrar algum achado no exame que não tenha qualquer relação com a doença e esteja lá apenas para confundir.

Lembro de um caso durante a faculdade em que um residente pediu uma radiografia de tórax para um paciente que estava internado, mas que tinha melhorado e que deveria ir de alta no mesmo dia. Antes da alta o médico pediu a radiografia, que acabou mostrando algumas manchas em um dos pulmões. O paciente não tinha nenhuma queixa de falta de ar ou nada relacionados aos pulmões. De posse da radiografia o médico então resolveu pedir uma tomografia computadorizada de tórax para elucidar o caso, que demonstrou que a tal mancha não era nada além de um achado na radiografia, sem nenhuma gravidade. Por conta do primeiro exame desnecessário, o paciente ficou mais 2 dias no hospital (para poder agendar a tal tomografia), tomou radiação desnecessária e foi de alta com receio de que ainda pudesse ter algum problema nos pulmões, um caso clássico de iatrogenia e desperdício de recursos e dinheiro.

Nossa sociedade ainda tem enraizado o conceito de que mais é melhor, e acreditam que fazer mais exames, inclusive se forem os mais modernos ou mais caros, seja sempre melhor, quando a própria MBE já demonstrou que isso não é verdade. Infelizmente muitos médicos também pensam da mesma forma e continuam alimentando esse ciclo perverso.

Um clássico exemplo para enfatizar isso é a controversa vitamina D. Até hoje não se tem certeza sobre qual o valor adequado de vitamina D e as recomendações mais atuais apontam que só há alguma vantagem em se dosar essa vitamina em casos de pacientes de alto risco para fraturas, com doenças renais crônicas avançadas ou algumas poucas outras situações. Mesmo assim ela é pedida por muitos médicos nas tais rotinas ou exames de check-up. Um texto interessante do site Raciocínio Clínico aponta os 10 exames mais inúteis da medicina, em que inclui a vitamina D entre eles.

Muitos estudos são envoltos em vieses. O portal Insights lista 10 tipos diferentes deles. Um dos mais clássicos é o do efeito placebo. O médico te prescreve suplemento de vitamina para curar uma gripe, acreditando que você está com problemas de imunidade. Passados 7 a 14 dias sua gripe melhora espontaneamente, mas você atribui a cura ao tal suplemento. Os estudos científicos são envoltos em inúmeros vieses e identificá-los nem sempre é fácil. Os próprios médicos e estudiosos às vezes acabam sendo enganados por eles. Por sorte o próprio princípio do método científico prevê que os estudos sejam reprodutíveis e que possam ser analisados por outros estudiosos, de forma a afastar vieses e outros problemas metodológicos. Mas nem todo médico se vale dessa checagem.

Além disso, dizer que faz uso da MBE, não quer dizer que o faça. Muitos médicos se valem dessa premissa para apontar tratamentos duvidosos. A tal soroterapia da moda é um exemplo de promessa disfarçada de evidência científica.

E para complicar, nem sempre as condutas para um paciente valem para outro. Duas pessoas com pressão alta podem demandar medicações e exames de rotina diferentes de acordo com outras queixas, achados ou doenças pré-existentes. 

Como se proteger?

Infelizmente não é fácil se defender de profissionais mal-intencionados e não tenho uma resposta simples para esta questão. Charlatões que fazem mal uso da MBE estão em todo lugar. Arrisco dizer que é mais fácil encontrar quem não segue ou acha que segue a MBE do que aqueles que o fazem da forma apropriada. E é claro que nem para os médicos é fácil se atualizar. Alguns portais como UpToDate e Dynamed foram criados para tentar compilar as melhores evidências em textos mais simples e rápidos de serem consultados pelos médicos. São ferramentas técnicas de uso específico para os médicos, e simplesmente imprescindíveis para os médicos nos dias de hoje.

Sugiro que pergunte para seu médico se ele se atualiza ou utiliza alguma ferramenta de medicina baseada em evidências.

O currículo dos médicos também pode ajudar. Procure por formações em instituições de renome, o que nem sempre é uma garantia, mas é um bom indício. Médicos que estão sempre se atualizando, com participação em cursos periódicos, também podem apontar para a preocupação com as melhoras práticas.

Conclusão

A Medicina Baseada em Evidências é uma ferramenta de extrema importância para a prática médica atual. Ela permite a tomada de condutas com o que há de mais bem estudado e avaliado no mundo científico. Infelizmente ela é complexa e nem sempre bem utilizada pelos médicos. Se você se preocupa em ser acompanhado por médicos que seguem realmente as melhores práticas baseadas na ciência, pesquise o currículo do seu médico e converse com ele para saber se utiliza alguma ferramenta de apoio para suas decisões.

Um conceito que pratico e que complementa a MBE é a Medicina Sem Pressa ou slow medicine. Se ainda não o fez, leia meu artigo sobre a Medicina Sem Pressa

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Um forte abraço e até a próxima.


*Imagem que ilustra este artigo: © metamorworks de Getty Images via canva.com.

Dr. Angelo Bannack - Médico de Família

Dr. Angelo Bannack

Sou um médico que gosta de escrever, curte tecnologia e que valoriza a ciência como o caminho para a nossa evolução. Como médico de família, atendo em meu consultório particular em Curitiba e em consultas domiciliares, ajudando as pessoas a manterem-se saudáveis, com check-ups regulares, orientações e contribuindo no processo de diagnóstico e tratamento da grande maioria dos problemas de saúde.

2 comentários em “Medicina Baseada em Evidências: o que é e por que devo me importar?”

    • Maravilha. Fico feliz que tenha gostado em partes e também que tenha discordado de outras. Discordâncias ajudam o mundo a evoluir. Faz a gente pensar e refletir. Até escrevi algo sobre isso no texto. Suspeito que talvez nem discordamos tanto assim desse tema. Hoje ainda não há boas evidências de que seja adequado medir em qualquer pessoa e em qualquer situação uma infinidade de vitaminas e outros parâmetros. A ciência ainda está engatinhando em muitas questões. Mas acredito que ela ainda vá evoluir a ponto de encontrar respostas adequadas para essa e tantas outras vitaminas. Um forte abraço.

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