Em O Demônio do Meio-Dia, Andrew Solomon refere que o principal objetivo do livro é eliminar o estigma em relação a depressão. O problema é tão grande que foi preciso escrever um livro inteiro sobre o tema. Que fique claro: a depressão é uma doença! Muitas vezes debilitante e que afeta as atividades cotidianas da pessoa, dificultando a simples saída de casa (ou da cama) para trabalhar, estudar ou se divertir.
Esse artigo tenta desmistificar a depressão, colocando-a no seu devido lugar que é a de doença mental. Descreve um pouco sobre as causas, tratamentos e quando procurar ajuda.
Boa leitura.
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Vídeo: DEPRESSÃO NÃO É FRESCURA – O que causa e como tratar
O que é a depressão?
O uso da palavra depressão às vezes pode causar confusão. O termo depressão pode se referir simplesmente a um sentimento, a um estado de humor. Como quando você refere estar abatido, triste, desanimado, com medo, sem vontade para nada.
Estar com o humor deprimido não significa necessariamente doença ou um evento que necessite de ajuda. Às vezes você está muito triste pelo falecimento de um ente querido ou então por algo mais banal, como ir mal numa prova e, está se sentindo sem esperança de dias melhores.
Na maior parte das vezes esse estado de humor depressivo é passageiro. Com o passar dos dias você começa a ressignificar o evento que causou a alteração de humor e volta a se sentir mais animado.
Depressão também pode significar uma síndrome, que nada mais é do que um conjunto de sinais e sintomas cujo humor depressivo é um deles. Na síndrome depressiva a pessoa pode sentir dores no corpo, perda de interesse em atividades que antes causavam prazer, dificuldade para dormir ou sonolência em excesso, perda ou ganho de peso sem causa aparente, dificuldade de concentração, ou ainda ter pensamentos suicidas.
A síndrome depressão está presente em inúmeras doenças psiquiátricas como esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtornos induzidos por medicações, além do transtorno depressivo maior, que é o foco desse artigo.
O transtorno depressivo maior (também chamado de depressão unipolar ou simplesmente depressão) é o transtorno de humor mais comum, atingindo cerca de 15% da população mundial dependendo da fonte pesquisada. É mais frequente em mulheres do que em homens e tem início normalmente por volta dos 30 anos.
O termo unipolar serve para diferenciar do bipolar, que é quando o humor oscila entre dois polos: um estado depressivo e um estado de mania. Na mania ocorre euforia, pensamentos grandiosos, acelerados, com otimismo exagerado, impulsividade, entre outros. É importante fazer a diferenciação pois quando existem sintomas de mania pode ser que a doença seja outra: o transtorno afetivo bipolar, sendo o tratamento diferente.
Neste artigo vou tratar somente do transtorno depressivo maior ou unipolar, a partir daqui sendo chamado apenas de depressão.
Causas da depressão
As reais causas da depressão não são bem entendidas. O que a ciência sabe é que parece ter influências de herança genética, além de questões ambientais. Crianças que sofreram algum tipo de abuso físico, emocional ou sexual tem mais chances de se tornarem adultos com depressão. Mas, mesmo quem não tem parentes com diagnóstico de depressão e tiveram uma infância saudável, também podem ter depressão.
A depressão é associada com alterações em algumas áreas do cérebro, principalmente numa região chamada de hipocampo, que é a principal área responsável pelas memórias recentes e pela capacidade cognitiva. Mas outras áreas também são afetadas. Além disso há associação com a deficiência de alguns neurotransmissores no cérebro de quem tem depressão. Entre eles estão serotonina, noradrenalina e dopamina.
Não está bem claro ainda se a insônia causa depressão, porém é fato que a depressão causa alterações no sono, tanto a falta quanto o excesso dele.
Como se faz o diagnóstico da depressão?
Não existem exames de sangue ou de imagem que possam ser realizados para se diagnosticar a depressão. Sendo assim o médico irá se basear em entender a história, os sinais e sintomas do paciente no decorrer da vida. O diagnóstico nem sempre é simples e requer habilidade do médico para fazer as perguntas adequadas e excluir outras doenças que possam parecer com a depressão.
O humor depressivo ou a perda de interesse pelas atividades na maior parte dos dias da semana são condições primordiais para se fazer o diagnóstico adequado.
Por isso o médico irá explorar principalmente o seu humor, tentando identificar o tempo da duração e o início das alterações. Além disso irá se preocupar com o sono, perda de peso e demais sintomas que possam estar associados.
Não se assuste se seu médico perguntar sobre desejo ou tentativas de suicídio. Infelizmente é uma condição que pode estar presente e faz parte da avaliação para tentar determinar a gravidade da depressão.
O ideal é você se sentir à vontade e contar tudo sobre seus sintomas. Muitas vezes é melhor ir sozinho ao médico, para não se sentir constrangido diante de parentes ou amigos. A depressão ainda é considerada frescura por muitos, e isso pode dificultar o tratamento, bem como o controle da doença.
Alguns tipos de transtornos depressivos podem levar meses ou anos para terem um diagnóstico adequado, com o médico tratando uma doença e com o passar do tempo entendendo que a doença na verdade é outra.
Praticamente qualquer doença pode trazer sintomas depressivos associados. Por isso é comum o médico realizar um exame físico e solicitar alguns exames de sangue antes de confirmar o diagnóstico de depressão.
Obviamente que psiquiatras são os médicos mais preparados para fazer o diagnóstico e tratamento, mas médicos de família têm muita habilidade no manejo da depressão, especialmente por ser uma doença bastante comum e recorrente no seu dia a dia.
Como saber se eu posso estar com depressão?
Por ser uma doença bastante comum, algumas iniciativas como a U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF) recomenda que os médicos façam a avaliação de depressão em todas as consultas de rotinas, os tais check-ups.
Existem inúmeras formas de se suspeitar da depressão, talvez a mais simples delas seja através do questionário PHQ-2. É um questionário de 2 perguntas criado em 2003 com 2 perguntas em inglês para fazer o rastreio da depressão. Apesar do PHQ-2 não ter uma validação com a população brasileira e nem ter uma tradução oficial para o português, ele pode ser utilizado para se suspeitar da depressão. A confirmação somente pode ser feita com a ajuda de um médico capacitado. Abaixo você pode ver o questionário e fazer o teste.
Se você tiver 3 ou mais pontos no questionário, talvez fosse prudente consultar um médico. Não quer dizer que você tenha a doença depressão, somente que é um sinal amarelo de que vale a pena uma avaliação médica.
Se não é depressão, o que pode ser?
Existem inúmeras outras condições que podem causar sintomas de depressão, mas que não são depressão. Entre elas pode-se destacar:
- Tristeza. A simples tristeza por qualquer fato da vida quando presente sem outros sintomas, pode parecer a doença depressão. A principal diferença é o tempo de duração. Brigar com a namorada ou ficar triste por perder um emprego não é sinônimo de depressão. Mas se os sintomas persistirem por meses e estiverem atrapalhando a rotina, pode ser importante procurar ajuda.
- Síndrome de Burnout. Essa síndrome é mais frequente em pessoas que estão submetidas a situações de grande estresse. É mais comum em estudantes se preparando para provas difíceis ou ainda em trabalhadores que recebem uma grande pressão ou responsabilidade da empresa. Médicos são uma população bastante afetada pelo Burnout. Ela apresenta sintomas de depressão, porém que são causadas pela carga excessiva de estresse.
- Luto complicado. O luto pode fazer uma pessoa se sentir triste e deprimida por muitos meses, às vezes anos. Cabe ao médico avaliar o caso e diferenciá-lo da depressão.
- Doenças psiquiátricas como:
- Esquizofrenia.
- Transtorno de personalidade borderline.
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
- Transtorno de Atenção Bipolar.
Quais os tratamentos para a depressão?
O objetivo principal do tratamento é obter a remissão dos sintomas. E a indicação atual é a de iniciar com uma abordagem combinada de psicoterapia e medicamentos. A combinação tende a ser mais efetiva do que apenas um único tipo de tratamento. Mas uma abordagem somente com psicoterapia ou somente com medicamentos pode trazer resultados, dependendo das preferências e de cada caso.
Pacientes que respondem bem ao tratamento podem ficar pelo resto da vida sem sintomas, especialmente se tiveram acompanhamento desde o início dos primeiros sintomas. Algumas pessoas acabam tendo diversas recaídas ao longo da vida, especialmente quando abandonam o tratamento após um tempo sem sintomas.
A cura nem sempre vem de forma imediata. É normal se definir um tempo de tratamento de pelos menos 6 a 12 meses sem nenhum sintoma para se pensar em reduzir a dose ou parar de usar as medicações.
Pela necessidade de ter que manter o tratamento por pelo menos 12 meses sem sintomas, é importante fazer o diagnóstico corretamente.
Outra questão importante é que qualquer medicação antidepressiva pode levar 3 ou 4 semanas para começar a fazer efeito. É normal o médico começar com uma dose mais baixa da medicação. Ela não vai fazer seu efeito máximo nos sintomas da depressão, mas vai evitar efeitos colaterais e ajudar seu organismo a se adaptar com a medicação. Além disso, em alguns casos o médico pode receitar algum tipo de medicação temporária para ajudar nessa fase inicial, principalmente se a agitação ou a insônia estiverem presentes e forem preocupantes.
Os ajustes da dose da medicação, ou ainda a substituição ou associação com outras medicações é feita a cada 30 ou 60 dias.
Existem inúmeros antidepressivos e cada um tem uma indicação para cada pessoa. Não há um medicamento necessariamente ruim. O médico vai fazer a escolha de acordo com os sintomas, efeitos colaterais de cada medicação, uso de outras medicações que o paciente esteja fazendo no momento, custo, histórico de medicações de boa eficácia em familiares de primeiro grau, facilidade de uso, entre outros critérios.
Alguns exemplos de medicamentos utilizados para tratar a depressão são: amitriptilina, bupropiona, duloxetina, escitalopram, fluoxetina, mirtazapina, paroxetina, sertralina, venlafaxina.
As medicações podem causar efeitos colaterais como diarreia, nauseas, vômitos, alterações no desejo sexual, sonolência, ganho de peso, entre outros. Muitos desses efeitos ocorrem somente no início do tratamento e tendem a desaparecer com o tempo.
Com relação a psicoterapia, o tipo mais estudado e validado para o tratamento da depressão é a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), porém outras abordagens podem ser utilizadas, a depender do desejo do paciente e experiência do psicólogo. A TCC tem uma abordagem de tempo mais curto, com normalmente 10 ou 15 sessões bem definidas com o foco em ajudar o paciente a descobrir alguns gatilhos que possam disparar os sintomas depressivos, bem como formas de lidar com eles.
Orientações sobre o tratamento
É importante contar com um médico de confiança. Se você puder ter um contato direto com ele, melhor ainda, especialmente no início do tratamento. Às vezes você precisa apenas renovar a receita da medicação porque vai viajar, ou ainda precisa sanar uma dúvida sobre o tratamento ou algum efeito colateral.
Atividades de relaxamento podem ajudar. Pode ser yoga, meditação, massagem, Tai Chi ou qualquer outra atividade que o deixe relaxado.
Dormir bem é fundamental. Leia meu artigo sobre a higiene do sono, que é o primeiro passo para se dormir melhor. Se mesmo assim continuar com dificuldades para dormir, converse com seu médico.
Atividade física também é indicada. Não há evidências de que elas curem a depressão, mas podem ajudar em diversos sintomas relacionados, desde dores no corpo até insônia. O ideal são os exercícios aeróbicos, aqueles que aumentam a frequência do coração, tais como caminhada, natação, bicicleta e dança. O recomendado é fazer pelo menos 150 minutos de atividade por semana divididos em 3 ou 5 dias. Para saber mais, leia meu artigo sobre exercício físico.
Risco de suicídio
As doenças mentais, incluindo a depressão, aumentam os riscos de suicídio. Mas não quer dizer que só porque alguém tenha a doença vá atentar contra a própria vida. Muitas vezes os riscos estão associados a outros fatores como histórico familiar, abuso de drogas e álcool, baixa escolaridade e outras doenças psiquiátricas presentes.
Por outro lado, há fatores que protegem contra o suicídio. Alguns deles são o apoio da família e dos amigos, além da religiosidade e a participação em atividades religiosas.
Se estiver tendo pensamentos contra a própria vida, se sentindo sem esperança ou planejando algum ato, entre em contato imediatamente com seu médico ou psicólogo.
Você ainda pode ligar no telefone 188 que é do Centro de Valorização da Vida. No site cvv.org.br você pode encontrar outras formas de contato e mais informações.
E se quiser saber mais sobre formas de prevenir o suicídio, leia meu artigo a respeito.
Conclusão
A depressão não é frescura. É uma doença real com consequências muitas vezes debilitantes. Um diagnóstico correto, com um tratamento adequado, bem como o apoio familiar e dos amigos são indispensáveis. A psicoterapia e as medicações são a primeira linha de tratamento, porém exercícios físicos, atividades de relaxamento e um sono reparador são importantes. Tenha um médico de referência e de confiança e conte sempre com ele.
Espero que o artigo tenha sido útil. Se tiver dúvidas comente e me siga nas redes sociais.
Um forte abraço e até a próxima.
*Imagem que ilustra este artigo: © Fabián Montaño de Fabian Montaño via canva.com.