Fui mordido por um cachorro: Vou pegar RAIVA?

Dr. Angelo Bannack

Atualizado há 2 meses

Os cachorros costumam ser dóceis, mas às vezes acidentes acontecem. Uma mordida de cachorro pode ser dolorida, sangrar, infeccionar e, se o cão estiver contaminado, pode transmitir a raiva – uma doença fatal. Neste artigo apresento os cuidados que se deve ter ao ser mordido por um cachorro ou outros animais, além das indicações de quando procurar ajuda médica e quando tomar vacinas antirrábica e antitetânica.

Boa leitura.

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Vídeo: FUI MORDIDO POR UM CACHORRO: Vou pegar RAIVA?

Fui mordido por um CACHORRO ou MORCEGO: Vou pegar RAIVA?

Qual o problema de ser mordido por um cachorro ou outro animal?

Obviamente que ninguém quer levar uma mordida de cachorro. Além da dor e do susto, dependendo do caso, pode ocorrer sangramento intenso no local, infecção com saída de pus e inchaço. Em casos mais graves o animal pode ainda arrancar partes da pele e dos músculos, deixando cicatrizes graves, ou dificuldades de movimentação de partes do corpo e que podem necessitar de tratamento com cirurgia.

Infecções

As infecções das feridas aparecem alguns dias depois da mordida e são causadas pelas bactérias presentes na saliva do animal, ou ainda as da sua própria pele, que foram inseridas dentro do corpo pela mordida. Os principais sintomas são: a saída de secreção esbranquiçada e muitas vezes mal cheirosa da ferida (pus) e o inchaço da região afetada. Nestes casos é necessário usar antibióticos para a cura mais rápida e evitar complicações.

Tétano

Outra bactéria menos comum, mas que pode estar presente, é a clostridium tetani, que causa uma doença chamada tétano. É uma bactéria mais comum em ambientes sujos, mas como alguns cães cheiram e lambem o chão e qualquer material que encontram, eles têm maiores chance de estarem contaminados com ela. O tétano pode ser grave pois pode causar contrações musculares involuntárias, dificuldades para respirar e inclusive podendo levar à morte. A vacina antitetânica pode ajudar.

Raiva

O maior receio da mordida de animais é a da transmissão da raiva, uma doença ocasionada por um vírus e que costuma ser fatal em praticamente 100% dos casos. 

O vírus da raiva pode estar presente em qualquer mamífero, incluindo cães, cachorros, bovinos e morcegos.

Os morcegos são os principais transmissores pois, uma vez contaminados, eles podem ficar por muitas semanas doentes antes de morrer. Nesse tempo eles transmitem a doença para outros animais ao morder ou ter contato com um cachorro ou gato sadio, por exemplo.

Uma vez infectados, os cachorros e gatos podem levar de 3 a 6 semanas para começarem a apresentar sintomas e acabam morrendo em 5 a 7 dias depois do início destes. Os sintomas mais comuns da raiva nos gatos e cachorros são:

  • O animal fica raivoso e agressivo (daí o nome da doença).
  • Salivação ou vômitos.
  • Pode se tornar apático, procurando permanecer escondido.
  • Desobediente.
  • Perda de apetite e de sede.
  • Paralisia ou falta de coordenação das patas.
  • Convulsões.

Mas calma. Não é todo animal que tem o vírus da raiva. E ser mordido por um não quer dizer que você vá ter a doença e morrer. Cães e gatos domésticos, especialmente os que vivem dentro de casas e apartamentos, dificilmente adquirem a doença pois não tem contato com morcegos e nem com outros animais infectados. Além disso, existe vacina para prevenir essa doença em seu pet.

Para se ter uma ideia da raridade dessa doença, o estado do Paraná havia registrado um último caso de raiva humana em 1987, com um novo caso somente em 2018 oriundo da mordida de um morcego.

Quando procurar ajuda?

Se você foi mordido por um animal, o ideal é que vá até uma unidade de saúde ou pronto atendimento e seja avaliado por um médico ou enfermeiro.

Os profissionais de saúde irão avaliar:

  • A ferida para verificar a necessidade de antibióticos, medicamentos, curativos, suturas ou até cirurgias.
  • A sua situação vacinal, especialmente com relação a antitetânica.
  • A necessidade de aplicação de vacina antirrábica.

Quais os sintomas da raiva em humanos?

Uma vez que uma pessoa seja contaminada com o vírus da raiva, ela pode levar de 1 a 3 meses para desenvolver sintomas. Há alguns relatos de pessoas que levaram vários anos depois do acidente para manifestar a doença.

Os primeiros sintomas da raiva costumam ser parecidos com uma gripe, com mal-estar, falta de apetite, febre, dor de garganta, náusea e vomito. Pode também haver dor, coceira e perda de sensibilidade no local da mordida. Estes sintomas costumam durar até uma semana.

Com o avanço da doença podem aparecer sintomas neurológicos com alteração do nível de consciência, espasmos dolorosos na garganta, hipersalivação, convulsões, seguido de paralisia e coma. Sem suporte esses sintomas podem durar de poucos dias até uma semana e infelizmente são fatais.

Em casos de suspeita, é necessário procurar uma unidade de pronto atendimento o quanto antes. Porém, por se tratar de uma doença quase sempre fatal, o melhor é a profilaxia com vacinas, que só tem efeito se tomadas antes do início dos sintomas.

Preciso de vacinas?

A vacina antitetânica é indicada se sua vacinação não estiver em dia. Para todas as pessoas, recomenda-se a vacina contra o tétano (dT ou dTpa) a cada 10 anos. Mas se você foi mordido por um animal e faz mais do que 5 anos da sua última dose, recomenda-se antecipar a dose de reforço.

Vacina antirrábica

Já no caso da vacina antirrábica a sua necessidade vai depender da chance de o animal que o mordeu estar infectado. O Ministério da Saúde atualizou o protocolo para profilaxia da raiva em 2022. As indicações atualizadas são:

  • Se você sabe ou suspeita que o cachorro esteja com raiva. Por exemplo se o cachorro ficou com sintomas há pouco tempo, ou se veio a morrer após a mordida.
  • Se você desconhece o cachorro e não tem mais contato com o animal. Cachorros que vivem nas ruas por exemplo.
  • Em caso de acidentes com morcegos. Mordida ou contato mesmo que indireto com o animal.
  • Em casos de acidentes com animais silvestres (macacos, saguis, raposas), exceto nos casos de contato indireto.

Se o animal apenas o lambeu ou o mordeu, mas sem perfurar a pele, é provável que você não precise da vacina – exceto para os casos de acidentes com morcegos, pois estes são os principais vetores e há indicação de vacinação mesmo em contatos indiretos.

A recomendação é que procure uma unidade de saúde ou pronto atendimento. O profissional de saúde saberá avaliar adequadamente.

A vacina antirrábica é normalmente feita apenas em locais especializados dentro do sistema de saúde. É mais comum de se encontrar em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e eventualmente em unidades de saúde ou locais especializados. Ela é aplicada intra muscular no braço ou na coxa e não deve ser aplicada no glúteo.

O esquema vacinal é realizado em 2 ou 4 doses conforme a gravidade do acidente e sempre num esquema de 0, 3, 7 e 14 dias. Ela já foi aplicada em 5 doses, com a quinta dose no dia 21 do início, porém, desde 2017 o Ministério da Saúde alterou seu protocolo e eliminou a necessidade dessa dose adicional.

Os cachorros e gatos domésticos que moram dentro de casas ou apartamentos dificilmente têm raiva. Se você foi mordido por seu pet, o ideal é ficar de olho no animal. Se ele desaparecer ou desenvolver sintomas de raiva em até 10 dias depois do acidente, procure uma unidade de saúde ou pronto atendimento imediatamente.

E a vacina não confere imunidade definitiva, por isso, se você já tomou a vacina em algum outro momento, e foi mordido por um animal suspeito, tem indicação de tomar novas doses, conforme a gravidade desse novo acidente.

Os detalhes a seguir seguem as recomendações da Nota Técnica nº 8 de 2022 do Ministério da Saúde, resumidas no quadro abaixo.

Profilaxia da raiva humana
Fonte: Cartaz sobre a Profilaxia da Raiva Humana do Ministério da Saúde.

Imunoglobulina antirrábica

Em casos de acidentes mais graves, além da vacina antirrábica, que estimula o corpo a produzir seus próprios anticorpos, pode ser necessário a aplicação de imunoglobulina antirrábica, que são um conjunto de anticorpos que o defendem de forma mais rápida contra o vírus da raiva.

A imunoglobulina antirrábica também é chamada de soro antirrábico.

Vacinação pré-exposição

Pessoas que trabalham com animais selvagens como alguns veterinários, podem se beneficiar da vacinação profilática, sendo que na primeira aplicação é realizada a vacinação com 3 doses (0, 7 e 28 dias), depois uma dose única após 1 ano e doses de reforço a cada 3 anos. Procure um posto de saúde ou sala de vacina.

Vacinação pós-exposição

O Ministério da Saúde divide os esquemas de vacinação em acidentes leves e graves.

Os acidentes leves são aqueles com ferimentos superficiais pouco extensos, geralmente únicos, em tronco e membros (exceto mãos, polpas digitais e planta dos pés). Podem acontecer em decorrência de mordeduras ou arranhaduras, causadas por unha ou dente, lambedura de pele com lesões superficiais.

Já os acidentes graves são definidos como ferimentos na cabeça, face, pescoço, mão, polpa digital e/ou planta do pé. Ferimentos profundos, múltiplos ou extensos, em qualquer região do corpo. Lambedura de mucosas. Lambedura de pele onde já existe lesão grave. Ferimento profundo causado por unha de animal.

Condutas para acidentes LEVES

  • Cão ou gato sem suspeita de raiva no momento da agressão: Observar o animal durante 10 dias após a exposição e vacinar com 4 doses (0, 3, 7 e 14 dias) se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso.
  • Cão ou gato clinicamente suspeito de raiva no momento da agressão (comportamento agressivo, salivando, diferente do usual): Tomar duas doses da vacina (0 e 3 dias). Se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso nos próximos 10 dias, completar o esquema de 4 doses, com a terceira dose entre o dia 7 e 10 e a última no dia 14.
  • Cão ou gato raivoso, desaparecido ou morto; animais mamíferos silvestres domiciliados ou de interesse econômico (bois, vacas, ovelhas, entre outros): Tomar 4 doses da vacina antirrábica (0, 3, 7 e 14 dias).

Condutas para acidentes GRAVES

  • Cão ou gato sem suspeita de raiva no momento da agressão: Tomar duas doses da vacina (0 e 3 dias). Se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso nos próximos 10 dias, completar o esquema de 4 doses, com a terceira dose entre o dia 7 e 10 e a última no dia 14.
  • Cão ou gato clinicamente suspeito de raiva no momento da agressão (comportamento agressivo, salivando, diferente do usual): Tomar 4 doses da vacina antirrábica (0, 3, 7 e 14 dias) e o soro/imunoglobulina antirrábica. Se a raiva puder ser descartada depois de 10 dias, a última dose da vacina não é necessária.
  • Cão ou gato raivoso, desaparecido ou morto; animais mamíferos silvestres domiciliados ou de interesse econômico (bois, vacas, ovelhas, entre outros): Tomar 4 doses da vacina antirrábica (0, 3, 7 e 14 dias) e a imunoglobulina antirrábica.

*No caso de acidentes com morcegos ou qualquer outro mamífero silvestre vivendo livre na natureza deve-se tomar 4 doses da vacina antirrábica (0, 3, 7 e 14 dias) e a imunoglobulina antirrábica, independentemente da gravidade da lesão. A exceção para o uso da vacina são os casos de contato indireto e com pele integra. O profissional de saúde saberá avaliar o acidente e a indicação da vacina.

Quando iniciar a vacina?

O ideal é iniciar a vacina no mesmo dia do acidente com um animal suspeito ou tão logo seja possível.

Mas como o período de incubação do vírus pode ser muito longo, de até anos, a vacina pode ser iniciada a qualquer momento depois do acidente, desde que o acidente seja avaliado e a vacinação indicada corretamente por um profissional de saúde.

Preciso de antibióticos?

Na maior parte das mordidas, o médico pode recomendar o uso de antibióticos, mesmo para mordidas que não pareçam infectadas. Isto ocorre pois é muito comum a infecção pela saliva do animal. Escoriações leves normalmente não precisam de antibióticos. Mas aquelas em rosto, mãos, região genital ou em pessoas diabéticas ou com alguma outra doença, pode ser benéfico o seu uso.

Se você tiver facilidade de ir ao médico para ser reavaliado, o médico pode preferir não prescrever antibióticos, pois eles podem causar efeitos colaterais e aumentar as chances de selecionar bactérias resistentes se forem mal usados (por pouco tempo ou em dose inadequada).

Como cuidar da ferida?

Lavar o local com água e sabão é o principal cuidado para todo tipo de feridas. Se possível, após lavar com água e sabão, regue a ferida com soro fisiológico e seque-a com gaze estéril, sem esfregar.

Não se costuma fechar as feridas de mordidas de animais com pontos, a menos que sejam em região de rosto ou que sejam muito grandes. Isso é feito pois a chance de contaminação por bactérias presentes na saliva do animal é muito alta e fechar a ferida com pontos pode aumentar a chance de infecção e dificultar a cicatrização. Os cuidados com as feridas com pontos são os mesmos das sem pontos: lavar com água e sabão diariamente.

É importante retornar ao local de atendimento em 5 a 7 dias para uma reavaliação quanto a necessidade de algum cuidado adicional, além de realizar a retirada dos pontos.

Cirurgias reparadoras podem ser indicadas em casos mais graves.

Conclusão

As mordidas de cachorros e gatos, além de doloridas, podem causar complicações que precisam de ajuda. O ideal em caso de acidentes é sempre procurar uma unidade de saúde ou pronto atendimento para ser avaliado. Além de antibióticos, medicações para dor e cuidados com a ferida, é importante avaliar a necessidade de aplicação das vacinas antitetânica e antirrábica. A raiva é uma doença fatal em praticamente 100% dos casos. Por sorte é uma doença rara em nosso meio. De qualquer forma é melhor prevenir.

Espero que tenha gostado do artigo.

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*Imagem que ilustra este artigo: © Kerkez de Getty Images via canva.com.

Dr. Angelo Bannack - Médico de Família

Dr. Angelo Bannack

Sou um médico que gosta de escrever, curte tecnologia e que valoriza a ciência como o caminho para a nossa evolução. Como médico de família, atendo em meu consultório particular em Curitiba e em consultas domiciliares, ajudando as pessoas a manterem-se saudáveis, com check-ups regulares, orientações e contribuindo no processo de diagnóstico e tratamento da grande maioria dos problemas de saúde.

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