Câncer de Próstata: Quando fazer o rastreio

Dr. Angelo Bannack

Atualizado há 1 mês

Excluído os tumores de pele, o câncer de próstata é o câncer mais comum nos homens. E apesar de você ver muitas campanhas, especialmente no novembro azul, sobre a necessidade da realização anual do toque retal e de fazer o exame do PSA, as recomendações atuais são a de somente fazer estes testes em casos específicos.

Neste artigo eu vou te apresentar os motivos do porquê – de acordo com as evidências atuais – tanto o Ministério da Saúde quanto a Organização Mundial da Saúde, além de diversas outras iniciativas como os americanos Choosing Wisely e o US Preventive Services Task Force serem contrários à realização do exame em homens sem sintomas.

Mas também vou te explicar os argumentos utilizados pela Sociedade Brasileira de Urologia e a Associação Americana de Urologia, que recomendam os exames periodicamente mesmo em homens sem sintomas (apesar de reforçarem a ideia de ser uma decisão compartilhada entre o médico e o paciente).

O objetivo é te dar conhecimento para que você possa discutir e argumentar com o seu médico sobre a melhor estratégia de rastreio para o seu caso.

Boa leitura.

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Vídeo: CÂNCER DE PRÓSTATA: Preciso fazer o TOQUE RETAL? E o PSA?

CÂNCER DE PRÓSTATA: Preciso fazer o TOQUE RETAL? E o PSA?

O que é a próstata?

A próstata é uma glândula que fica na região logo abaixo da bexiga, “abraçando” a uretra, que é o tubo por onde sai a urina.

Ela fica também logo a frente do reto, a parte final do intestino. Sua função é a de produzir parte do líquido que compõe o esperma, necessário para alimentar e proteger os espermatozoides.

O que é o câncer de próstata?

Um câncer nada mais é do que o crescimento de forma desordenada de alguma célula do corpo. E o câncer de próstata ocorre quando há o crescimento não esperado das células dessa glândula.

Uma das preocupações com o câncer é a possibilidade de ele produzir metástase. A metástase é quando células do câncer “escapam” do local de origem e caem na corrente sanguínea, migrando, se fixando e crescendo em outro lugar do corpo. Isso é um problema pois pode ficar mais difícil para encontrar esse local e realizar o tratamento adequado.

Existem diversos tipos de cânceres de próstata e a maioria deles tem um crescimento muito lento, fazendo com que o homem, na maior parte das vezes, não tenha metástase e não venha a morrer ou ter outras consequências mais sérias de seu aparecimento. Porém, em alguns casos o câncer pode se espalhar rapidamente, inclusive podendo levar à morte.

E existe uma outra condição que pode fazer com que a próstata também cresça de tamanho e ela não tem a ver com o câncer. É a Hiperplasia Prostática Benigna (HPB). Com o envelhecimento, todo homem acaba tendo um crescimento natural da próstata. Isto costuma acontecer a partir dos 40-45 anos de idade. Estima-se que cerca de 80% dos homens tenham HPB aos 80 anos de idade.

Quais os sintomas do crescimento da próstata?

Quando a próstata cresce de tamanho, seja pelo câncer ou pela Hiperplasia Prostática Benigna, podem aparecer sintomas decorrentes justamente de a próstata “abraçar” a uretra e dificultar a saída da urina.

Os sintomas mais comuns são:

  • Dificuldade para começar a urinar: às vezes você tem que fazer mais força para começar a fazer xixi.
  • Jato mais fraco: Em vez daquele jato que bate na parede do vaso sanitário e espirra pra todo lado, o jato fica fraquinho.
  • Sensação de esvaziamento incompleto da bexiga: Você vai urinar e parece que terminou, mas ao lavar as mãos ou sair do banheiro, percebe que tem que voltar e faz mais um pouco de xixi. Parece que você está urinando em prestações, em várias parcelas.
  • Necessidade de ir mais vezes ao banheiro: Como a bexiga não esvazia completamente, isso pode fazer com que você precise ir mais vezes ao banheiro. Seja durante o dia ou à noite.
  • Presença de sangue na urina: Isso pode ser causado pelo tumor da próstata, mas também pode ser por outra condição como infecção urinária, prostatite, pedra nos rins ou tumor de bexiga.
Sinais de alerta para o câncer de próstata

Alguns desses sintomas também podem aparecer simplesmente por ansiedade, especialmente o aumento da frequência em ir ao banheiro. Mas de qualquer forma, na presença de qualquer sintoma urinário, é importante procurar um médico para uma avaliação adequada.

Quem tem mais chances de ter câncer de próstata?

O câncer de próstata se torna mais comum com o envelhecimento, com aparecimento a partir dos 50 anos. E é pouco comum antes dos 45 anos de idade.

Além disso homens negros têm mais chances de ter câncer de próstata. Ele também tem um componente hereditário, sendo mais comum em homens que tenham parentes com a doença, principalmente se de primeiro grau (pai).

Homens que tenham mutação nos genes BRCA1 ou BRCA2 ou ainda que sejam portadores da síndrome de Lynch (um tipo de cancer intestinal), também têm maiores riscos para o câncer de próstata.

E uma dieta rica em gordura animal e com baixa ingesta de frutas e verduras também pode favorecer o câncer de próstata.

Como é feito o rastreio do câncer de próstata?

O rastreio consiste em exames realizados periodicamente para tentar detectar uma doença logo no seu início, de forma a aumentar as chances de um tratamento mais rápido.

Basicamente são dois exames utilizados para o rastreio do câncer de próstata: o PSA e o toque real. E se algum destes tiver alteração, há indicação de se realizar uma biópsia da próstata.

PSA

PSA é a sigla em inglês para Antígeno Prostático Específico. É um composto produzido pela próstata e que é eliminado no sangue. Um aumento no PSA (dosado em uma amostra de sangue coletada do braço) pode indicar alterações na próstata.

Mas não se assuste com um aumento do PSA. Estima-se que de cada 10 homens com PSA elevado, 7 sejam um falso positivo e não indiquem câncer de próstata. E numa pequena parcela de homens, o câncer de próstata pode existir mesmo com um PSA baixo.

Além do câncer, várias situações podem fazer o PSA aumentar, como por exemplo:

  • Hiperplasia Prostática Benigna (HPB).
  • Ejaculação, seja por relação sexual ou masturbação.
  • Andar de bicicleta pode machucar a próstata e aumentar o PSA.
  • Manipulação da próstata (toque retal).
  • Infecção na próstata (prostatite).
  • Exames trocados. Os laboratórios podem errar.

Por isso, se o médico pedir o exame do PSA, evite ter relação sexual ou andar de bicicleta por pelo menos 2 dias antes de coletar o sangue. O mesmo vale para o caso de o médico ter feito o toque retal. Especialmente se for um teste para confirmar o valor de um exame alterado. Outras situações específicas devem ser discutidas com o médico.

Se o PSA estiver acima de 4.0 ng/mL há a recomendação de confirmar o valor com um novo exame e que se vier elevado, um urologista deve ser consultado. O valor 4,0 é apenas uma base, pois o valor de referência aumenta com o passar de idade.

Toque retal

Já o exame do toque retal é simplesmente, como o nome sugere, o toque da próstata realizado pelo médico no consultório.

É um exame que pode ser desconfortável, mas que não deve causar dor ou nenhum outro sintoma. Com a mão protegida por uma luva e com ajuda de lubrificantes, o médico introduz o dedo no reto pela região anal, com o objetivo de sentir a próstata com a ponta de seu dedo. O exame dura poucos segundos.

Toque retal
Adaptado de National Cancer Institute

O toque retal permite avaliar a consistência da próstata e detectar caroços ou nódulos apenas na parte que fica em contato com o reto. Não é possível avaliar a outra parte da próstata com o exame do toque. Por isso, a validade desse exame é questionável.

Biópsia da próstata

Se o PSA estiver elevado ou o toque retal demonstrar alguma alteração, o médico pode solicitar uma biópsia da próstata.

A biópsia é um exame realizado sob sedação em que um aparelho é introduzido no reto pela região anal. São retiradas pequenas amostras da próstata com a ajuda de uma agulha. Essas amostras são levadas para o microscópio e avaliadas quanto a presença de alterações que indiquem a presença de um tumor.

A biópsia vai permitir estratificar e classificar a alteração encontrada na próstata, bem como o risco de a alteração produzir metástase (malignidade).

O que diz a ciência sobre o rastreio do câncer de próstata?

Vários estudos demonstraram pouco benefício no rastreio periódico do câncer de próstata em homens sem sintomas. Com base nestes estudos e devido aos efeitos colaterais do diagnóstico e do tratamento, o Instituto Nacional do Câncer (INCA), bem como o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde são contrários a realização dos exames de rastreio em homens sem sintomas. Uma nota técnica lançada em 2023 pelo INCA reforçou os argumentos contrário ao rastreio (leia mais sobre os argumentos abaixo).

A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) já foi mais incisiva na recomendação de rastreio periódico do câncer de próstrata para todos os homens. Porém em 2023 ela também lançou uma nota técnica para trazer seus argumentos sobre o rastreio. Os argumentos são basicamente os mesmos do documento do INCA, porém a conclusão tende a favorecer o rastreio. Mas há um reforço no estímulo da decisão compartilhada sobre os rastreios periódicos, e um incentivo à procura do urologista para a realização do rastreio mesmo em homens sem sintomas. O documento da SBU reforça ainda a necessidade de campanhas para demonstrar os riscos e benefícios do rastreio do câncer de próstata em homens sem sintomas.

Um ponto importante trazido pela nova nota técnica da SBU é sobre a necessidade de fortalecer ações educativas direcionadas aos homens. A nota reforça a importância de trazer à tona alertas sobre o autocuidado em saúde dos homens, bem como a prevenção de doenças cardiovasculares, dos cânceres mais prevalentes, além de outras doenças crônicas não transmissíveis (diabetes, pressão alta, dislipidemia, entre outras).

Os argumentos utilizados por estas instituições se baseiam nos diversos estudos científicos, sendo que o estudo mais conhecido e importante criado para determinar as vantagens e desvantagens do rastreio de câncer de próstata com o teste de PSA é o ERSPC.

ERSPC é a sigla em inglês para Estudo Europeu Randomizado de Rastreio do Câncer de Próstata. Trata-se de um grande estudo iniciado em 1993 e que acompanhou por 13 anos homens europeus com idade entre 55 e 69. Os resultados foram traduzidos em estatísticas para fortalecer argumentos favoráveis e contrários ao rastreio periódico do câncer de próstata.

Argumentos favoráveis ao rastreio periódico

Com base no ERSPC e outros estudos disponíveis até o momento, o rastreio periódico apresenta um pequeno benefício na redução da mortalidade por câncer de próstata e no risco de desenvolver metástase.

De cada 1.000 homens rastreados com o PSA, 1 vai evitar a morte pelo câncer de próstata.

Para homens que tenham câncer de próstata agressivo, a melhor chance de cura é com a detecção num estágio inicial.

Além disso, os testes de rastreio (PSA e toque retal) não são perfeitos, mas são simples e baratos de serem realizados.

Argumentos contrários ao rastreio periódico

Um dos riscos do rastreio periódico é o dos resultados falso positivos. De cada 1.000 homens testados com o PSA, 280 terão resultado elevado que indicará a biópsia, sendo que 178 deles não terão câncer de próstata. Destes, 4 terão efeitos colaterais sérios da biópsia que necessitarão de cuidados hospitalares. A biópsia pode causar sangramento e infecção da próstata.

A outra questão é com o excesso de diagnósticos. De cada 1.000 homens testados com o PSA, 102 terão câncer de próstata, mas a maior parte deles permanecerá sem nenhum sintoma nem necessidade de qualquer tratamento pelo resto da vida.

Outra preocupação é com o excesso de tratamentos. De cada 1.000 rastreios, 33 não terá qualquer complicação da doença, mas optarão por fazer tratamento com cirurgia ou radioterapia. E 5 homens irão morrer de câncer de próstata independentemente de terem feito o rastreio periódico.

De cada 100 homens submetidos ao tratamento do câncer de próstata, 60 poderão ter impotência sexual e 20 incontinência urinária. Alguns desenvolverão problemas intestinais. Ou seja, dos 33 tratados em excesso, 20 terão a vida sexual prejudicada e 7 precisarão de fraldas possivelmente pelo resto da vida.

E por fim, outros argumentos contrários referem-se à questões psicológicas de possível preocupação excessiva devido a presença de um câncer. Mesmo que este câncer não vá causar metástase ou qualquer outra alteração. Além disso, é mais comum que homens com câncer de próstata morram de outras causas que não do tumor.

Resumo

De cada 1.000 homens que fazem o rastreio e que não tem câncer ou que não teriam qualquer consequência se não soubessem que tem câncer de próstata, pelos menos 20 poderão ficar impotentes, 7 incontinentes urinários e 4 terão necessidade de hospitalização devido a efeitos colaterais da biópsia.

O rastreio periódico com o PSA consegue salvar 1 homem em cada 1.000. Mas mesmo assim 5 vão morrer de câncer de próstata.

A minha decepção é que a ciência ainda não achou uma forma adequada e sem repercussões para o rastreio desse câncer tão comum, transferindo parte da decisão do rastreio (e de suas consequências) para o próprio homem.

Para tentar sanar essa lacuna, há um grande estudo iniciado em 2023, também na Europa, com novas abordagens que objetivam evitar os efeitos colaterais do rastreio com o PSA. Trata-se do PRAISE-U, que é a sigla em inglês para Conscientização e Iniciativa para Rastreio do Câncer de Próstata na União Europeia. Os primeiros resultados devem levar pelo menos 3 anos para aparecer.

Se tem vantagens e desvantagens, quando devo fazer o rastreio?

Os potenciais benefícios do rastreio precisam ser analisados de acordo com os potenciais prejuízos à qualidade de vida, incluindo os exames falso-positivos, a necessidade de biópsia, a ansiedade pelos exames, o excesso de diagnóstico além das complicações do tratamento.

Independentemente da idade, se você tiver sintomas urinários, tem indicação de fazer rastreio para o câncer de próstata com o exame do PSA e eventualmente com o toque retal.

Se você tem um familiar de primeiro grau com câncer de próstata, ou tem idade entre 50 e 75 anos de idade, converse com seu médico sobre a necessidade de rastreio para o seu caso. Pergunte a ele sobre os riscos e benefícios e avalie os argumentos expostos neste artigo. O ideal é que a decisão por rastrear ou não o câncer de próstata seja compartilhada com o médico.

Alguns estudos apontam que homens negros têm mais chances de ter câncer de próstata, mas mesmo nesse caso os estudos não mostram benefícios diretos de rastreio de cancer de próstata em homens negros sem sintomas.

Mas, se por algum motivo você optar em fazer o exame do PSA e do toque retal, mesmo sabendo das possíveis consequências e mesmo que não tenha sintomas, estes exames devem ser realizados entre 50 e 75 anos de idade (alguns especialistas recomendam iniciar aos 45 anos em homens negros e outros falam em parar de rastrear todos os homens aos 70).

Se houver preocupação com a questão da hereditariedade, uma possibilidade é a de iniciar os testes de rastreio 10 anos antes do aparecimento do câncer de próstata no familiar de primeiro grau (pai).

Uma vez decidido pelo rastreio, não há um consenso sobre a periodicidade. Alguns especialistas recomendam uma vez por ano, outros a cada 2 anos.

Como é feito o tratamento do câncer de próstata?

Se confirmado o câncer de próstata pela biópsia, e dependendo do grau de evolução, pode ser indicado observação – com repetição periódica do PSA -, retirada da próstata com cirurgia, tratamento hormonal, radioterapia, entre outros.

Estes tratamentos, especialmente a cirurgia, costumam trazer consequências, sendo as principais a incontinência urinária e a perda da capacidade de ereção, além é claro de todos os riscos envolvidos com uma cirurgia.

Tem como evitar o câncer de próstata?

A principal forma de evitar o cancer de próstata é levar uma vida saudável, manter o peso adequado, boa alimentação, praticar atividade física regular e não fumar.

E procure seu médico de confiança sempre que tiver qualquer sintoma ou dificuldade para urinar.

Conclusão

O novembro azul é o mês escolhido para chamar a atenção para a prevenção e o diagnóstico precoce de doenças que atingem os homens. A principal doença alusiva ao mês azul é o câncer de próstata e sua importância é devido ao fato de ele ser o segundo tumor mais incidente nos homens. Os principais sintomas do câncer são a dificuldade para começar a urinar, bem como o aumento na frequência da ida ao banheiro. O rastreio periódico do câncer de próstata é indicado para homens que tenham algum sintoma. Pelos estudos atuais parece ser mais prejudicial do que benéfico realizar o rastreio em homens que não tenham sintomas. A melhor forma de evitar o câncer é levar uma vida saudável, com exercícios físicos e boa alimentação.

Espero que tenha gostado do artigo. Se ficou com dúvidas comente aqui ou nas redes sociais.


*Imagem que ilustra este artigo – © PEAKSTOCK / SCIENCE PHOTO LIBRARY de sciencephoto via canva.com.

Dr. Angelo Bannack - Médico de Família

Dr. Angelo Bannack

Sou um médico que gosta de escrever, curte tecnologia e que valoriza a ciência como o caminho para a nossa evolução. Como médico de família, atendo em meu consultório particular em Curitiba e em consultas domiciliares, ajudando as pessoas a manterem-se saudáveis, com check-ups regulares, orientações e contribuindo no processo de diagnóstico e tratamento da grande maioria dos problemas de saúde.

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